A mão-de-obra dos operadores continuará essencial, só que à distância, numa estação de controle operacional, onde será possível executar com precisão os comandos

Frota autônoma: o sonho de retirar o operador de dentro do equipamento, colocando-o para realizar operações remotas e sem expô-lo a operações de risco, virou realidade. E dentro de alguns meses devem ser cada vez mais comuns na linha amarela, obras de construção civil, rodoviária e terraplenagem. Presentes na mineração e em alguns setores agrícolas, os equipamentos autônomos e semiautônomos trazem consigo uma histórica quebra de paradigmas, eliminando a necessidade de presença humana em situações onde a pessoa não é decisiva para extrair o máximo de eficiência. 

Mas, engana-se quem pensa que essa tecnologia vai dispensar a necessidade de operadores para trabalhar. A mão-de-obra continuará essencial, só que à distância, numa estação de controle de operações. E essa é tendencia do mercado.

O projeto surgiu em função de uma demanda de segurança, já que a execução de um serviço de engenharia em área de risco impossibilita a presença humana em campo. Na operação autônoma, a interface homem x máquina é praticamente nula. A partir de uma estação de controle de operações, foram desenvolvidos protocolos específicos de comunicação entre operadores e motoristas para organizar a interação entre os equipamentos na frente de serviço, mitigando riscos de acidentes. 

Tudo isso foi combinado a recursos tecnológicos como sensores de presença e de proximidade que evitam colisões entre máquinas ou demais obstáculos do ambiente e uma visão 360° a partir de câmeras instaladas nos equipamentos e na área de operação. O sistema de equipamentos não tripulados é composto por um Centro de Controle de Operações Remotas para o gerenciamento do projeto e gestão de segurança em tempo real, a partir de uma série de câmeras outdoor conectadas à internet. 

Também conta com unidades de comando, nas quais é feita a operação veículos pesados à distância de até 1 quilômetro; sistema de automação de máquinas, dos serviços de terraplanagem a partir de sensores IoT e engenharia virtual; drone com alta precisão e infraestrutura de TI com sistemas de redundância e backup das imagens geradas nas frentes de obra, além da implantação de uma rede de alta conectividade.

Em função da complexidade, a construtora formou um time multidisciplinar para conduzir o projeto, combinando o conhecimento técnico dos mais experientes, com a vontade e a energia dos jovens profissionais. “A gestão da mudança teve papel fundamental para garantir o mapeamento dos impactos e fomentar uma nova mentalidade de abertura para novas formas de pensar e fazer. No pilar de ‘Engenharia de Gente’, a definição de padrões comportamentais e técnicos para funções até então inexistentes, como operador de equipamento não tripulado, e o redesenho de outras para que fossem adequadas ao novo cenário, como engenheiro de manutenção para equipamentos não tripulados”.

Nesse sentido, também foram redefinidos processos e padrões de trabalho de Engenharia, Manutenção de equipamentos, Segurança, TI, Gestão do Conhecimento e Performance. A execução dos primeiros testes em campo com trator de esteira e carregadeira, simulando a situação real de obra, aconteceu em setembro do mesmo ano. Em dezembro, todo o conjunto dos equipamentos não tripulados já estava desenvolvido, em fase de testes de campo e de capacitação das equipes. Devido à complexidade da entrega, o desenvolvimento foi realizado em ondas e de maneira incremental, seguindo os princípios ágeis da nova cultura da empresa.

PRODUTIVIDADE

Nesse quesito, em campo, o operador geralmente trabalha em uma unidade de comando com toda a atividade monitorada por câmeras instaladas em locais estratégicos do equipamento e no próprio local de operação. Dessa maneira, tem o mesmo campo de visão da cabine, além de uma cobertura em 360° do ambiente de operação.

Para garantir a segurança operacional, vários dispositivos foram instalados nos equipamentos, impondo limites de velocidade, rotação, profundidade de escavação, entre outros fatores. “Com relação à produtividade, assim como ocorre em equipamentos tripulados, a capacitação do operador é relevante no controle dos equipamentos semiautônomos. Por isso, a construtora estruturou uma ‘escola’ de formação para qualificar a mão de obra técnica e operacional, permitindo uma evolução contínua para que possamos atingir níveis de produtividade compatíveis com a operação autônoma”, assinalam especialistas da área.

Com relação a consumo, não identificou-se redução ou aumento significativo na operação com os equipamentos autônomos, quando comparados aos convencionais. Entretanto, averigua que a tendência é obter uma redução, tendo em vista às limitações de RPM, bem como outros fatores operacionais, como o funcionamento das máquinas sem que o ar condicionado esteja ligado, condição possível já que o operador trabalha a partir de uma unidade de comando com ambiente devidamente climatizado e ergonomicamente adequado para sua jornada.

Devido à quantidade de componentes de eletrônica embarcada, a equipe precisou elaborar um novo plano de manutenção, bem como de resgate em caso do equipamento apresentar defeito em área crítica, onde a presença humana não é autorizada. Reduzi-se a periodicidade das preventivas e cria-se novos parâmetros de verificação para manutenção e operação. 

TECNOLOGIA

Apesar do setor de construção estar posicionado entre os menos digitalizados do mundo, tecnologias como drones, sistemas de automação de máquinas, redes de alta conectividade e operação de equipamentos por controle remoto já vinham sendo adotadas por uma ou outra organização. 

No atual cenário, o uso de equipamentos não tripulados atende condições e demandas específicas do mercado, evitando a presença de profissionais em um ambiente de elevado risco à vida. À medida que novos fabricantes desenvolverem tecnologias adequadas à operação semiautônoma, os custos tendem a baixar. 

Na área de mineração, a Caterpillar está obtendo resultados significativos no uso e desenvolvimento de equipamentos autônomos.  Neste semestre, a fabricante atingiu a quantidade de 2,20 bilhões de toneladas transportadas usando o caminhão Cat® MineStar ™ Command para o sistema de transporte. A empresa conseguiu dobrar a quantidade transportada em 16 meses, desde que atingiu 1 bilhão de toneladas transportadas em novembro de 2018.

O gerente de produto da MineStar Solutions, Sean McGinnis, observa que desde o lançamento comercial do Command for transporting em 2013, a Caterpillar continuou a melhorar a velocidade da implementação. “Estamos lançando o Command em mais sites e implementando-o mais rapidamente, para que mais de nossos clientes possam experimentar os ganhos de segurança e produtividade que o transporte autônomo proporciona”, disse McGinnis.

De acordo com ele, um dos motivos pelos quais a Caterpillar teve sucesso na expansão dessa linha e fornecer resultados é a parceria estabelecida junto aos clientes. Eles identificam recursos, funcionalidades e até os modelos de caminhões autônomos de que precisam para suas operações. Nos últimos seis anos, a MineStar Solutions também ampliou experiência em operações autônomas com tratores autônomos, brocas e carregadeiras subterrâneas. 

“As habilidades e conhecimentos de nossa equipe MineStar são referência mundial”, destaca John Deselem, gerente de operações de autonomia global. “Além de melhorar a implementação do sistema, a Caterpillar se tornou consultora ​​para as minas que buscam extrair todo proveito do que a autonomia torna possível. Ouvimos as necessidades e trabalhamos juntos para criar a solução ideal para as suas minas”, descreve.

NEGÓCIOS

Até o momento, a Caterpillar possui 276 caminhões autônomos em operação e o impulso para a mineração autônoma não mostra sinais de desaceleração. Existem projetos em andamento com grandes empresas de mineração, seja para expandir operações atuais de transporte autônomo ou implementar novos projetos.

No ano passado, três operações de mineração anunciaram planos para instalar novas frotas de caminhões autônomos da Cat. A Rio Tinto assinou um acordo com a fabricante em 2019 para fornecer e apoiar máquinas de mineração, automação e sistemas de tecnologia empresarial para a nova mina de minério de ferro Koodaideri, na Austrália Ocidental. Pelo contrato, a Rio Tinto e a Caterpillar trabalharão juntas na criação de uma operação automatizada de minas que faça o melhor uso da análise e integração de dados para aumentar a segurança, otimizar a produção, aumentar a utilização das máquinas de mineração e reduzir os custos. A frota inicial de caminhões será de 20 caminhões Cat 793F autônomos.

Mais recentemente, a Teck Resources assinou um contrato para a entrega de caminhões Cat 794 CA equipados para operação autônoma na mina de cobre Quebrada Blanca Fase 2 no norte do Chile. Além disso, a Anglo American contratou a entrega de caminhões Cat 794 CA equipados para operação autônoma na nova mina de cobre Quellaveco no Peru.

Recentemente, a Caterpillar desenvolveu o primeiro sistema de tratores de esteiras semiautônomos para mineração. O sistema aproveita as funções automatizadas incorporadas aos grandes equipamentos da marca e às tecnologias de controle remoto, que fazem parte do Comando Cat MineStar. Atualmente, 25 tratores Cat D11T estão trabalhando de forma semiautônoma em quatro locais de clientes na Austrália e nos Estados Unidos.

Os equipamentos operam autonomamente a grande maioria do tempo em aplicações de empurrar e espalhar material. A produtividade é igual à alcançada por operadores qualificados, no entanto, um operador localizado remotamente gerencia três ou quatro tratores. Com o uso do posicionamento do satélite via Cat Terrain com controle de lâmina, assistência automática de lâmina e transporte automático, o trator utiliza os melhores recursos. Ao operar de forma autônoma, otimiza a velocidade de ré.

Com o operador/ controlador trabalhando em uma estação confortável e remota no local ou distante da mina, e com menos operadores necessários, a exposição humana a riscos de saúde e segurança é reduzida, além de o operador ficar menos fadigado. Outro benefício da operação remota é a necessidade reduzida de interrupção para troca de turno, pausas e refeições.

NOVA ÁREA

A Volvo também está empenhada no desenvolvimento da tecnologia autônoma. O Grupo anunciou este ano a criação de uma área de negócios para o fortalecimento de soluções em transporte autônomo. Conhecida como Volvo Autonomous Solutions, ela vai acelerar o desenvolvimento, a comercialização e as vendas nesse segmento, ofertando novas soluções em setores como mineração, portos e transporte entre centros de logística. 

As soluções baseadas em tecnologias de direção autônoma e conectividade são adequadas para aplicações onde existe uma necessidade de movimentar grandes volumes de bens e materiais em rotas pré-definidas, seguindo fluxos repetitivos. Nestas situações, os veículos e máquinas autônomas podem gerar valor para clientes ao contribuir para mais flexibilidade, precisão de entrega e produtividade.

A fabricante já demonstrou uma série de tecnologias diferentes em transporte autônomo. No projeto Electric Site, a manipulação de material em uma mina a céu aberto foi automatizada e eletrificada e o resultado foi um ambiente de trabalho mais seguro e uma redução de quase 40% no custo de operadores, além de um decréscimo de 98% em emissões de dióxido de carbono. 

 

Na mina de Brønnøy Kalk, na Noruega, caminhões Volvo FH autônomos estão transportando calcário em um percurso de cinco quilômetros. Outra iniciativa pioneira é um veículo autônomo conectado e elétrico – o VERA, que fará parte de uma solução integrada para transportar bens de um centro de logística para um terminal portuário em Gotemburgo, na Suécia. 

No Brasil, sete caminhões Volvo VM Autônomos operam na colheita de cana de açúcar, reduzindo perdas por pisoteio de mudas, problema responsável por prejuízos que giram em torno de 12% da produção anual de cana-de-açúcar. Segundo a Volvo, o caminhão elimina 4% dessa perda.

Boris Sánchez, gerente regional de suporte a vendas da Volvo Construction Equipment Latin America, explica que essa nova área da empresa está ancorada em três pilares e propósitos: fornecer máquinas inteligentes, com tecnologias que serão realmente utilizadas em aproveitadas, onde seja possível retirar o operador de dentro do equipamento e deixá-lo em condições mais seguras para o controle da operação; eletromobilidade; e soluções para assegurar que a operação seja mais eficiente, segura e produtiva, com interconectividade.

“Com base nisso, os equipamentos tendem a apresentar um aumento de eficiência dez vezes maior em relação aos equipamentos convencionais”, prevê Sánchez. De acordo com ele, a empresa planeja avanços significativos para essa área, em parceria com universidades, especialistas no assunto e de acordo com os feedbacks apresentados pelo mercado.

Essa área terá centros tecnológicos montados em diferentes lugares do mundo onde a Volvo está presente, para que os especialistas possam acompanhar e dar suporte imediato a situações não previstas. “Um dos critérios é que as operações sejam próximas dessas áreas, para efeitos de testes, ensaios e acompanhamentos. Isso limita que esses testes sejam feitos no Brasil, embora quando houver equipamentos pilotos para campo, serão disponibilizados para uso”, informa Sánchez.

CULTURA

Boris Sánchez entende que os critérios e características do mercado brasileiro e da operação pesam na decisão de se trazer um equipamento piloto para testes no Brasil. “Depende muito das regulamentações, fomento e do interesse do cliente. O local também precisa oferecer condições e infraestrutura para esses equipamentos trabalharem”, analisa. Segundo ele, um cliente procurou a Volvo para testar um projeto de máquina autônoma, que acabou não sendo viabilizado devido a impeditivos de marco regulatório.

Sob a ótica de quem usa máquina, a viabilidade da operação dos equipamentos autônomos no Brasil ainda terá obstáculos pela frente. Carlos Magno, da Barbosa Mello Construtora, acredita que essa mudança não acontecerá da noite para o dia. “Entre os desafios a serem superados, destacam-se fatores como cultura, desenvolvimento, capacitação da mão de obra, custo e aplicabilidade da solução. A expansão do uso dos equipamentos não tripulados deve ocorrer em ‘ondas’ impulsionadas pela demanda de diferentes setores, como mineração, obras de infraestrutura, construção civil etc”, diz.

De acordo com ele, ainda é cedo para se comparar se um equipamento autônomo é mais assertivo que um convencional. É necessário avaliar o modelo adequado para cada situação. Contudo, cabe destacar diferenciais da automação que podem agregar efeitos positivos, como máquinas com projeto 3D embarcado e a parametrização de determinadas variáveis, como profundidade de corte e escavação, limitações de velocidade, grau de compactação, entre outros.

“A operação de equipamentos não tripulados ainda nos proporciona desafios. Por exemplo, com o distanciamento entre o operador e a máquina, algumas situações que até então eram perceptíveis pelo contato direto com o equipamento, como perda de potência, vazamentos e folgas excessivas, por exemplo, devem ser identificadas via check list pré-operacional ou por sistemas de telemetria. A operação remota pode influenciar, ainda, no tempo para identificação das condições de falhas intermitentes em algum sistema”, explica Carlos Magno.

 

Para ele, a aplicação do novo modelo operacional permitirá uma avaliação de eventuais impactos desse afastamento continuado sobre os níveis de cuidado e conservação do equipamento. Por fim, os equipamentos autônomos não devem substituir os “não autônomos” num médio prazo. Existem diversas barreiras a serem superadas, como investimentos relacionados ao desenvolvimento, barreiras culturais, necessidade de capacitação, legislação pertinente, divulgação na aplicação do produto, entre outras. “Apesar da velocidade das mudanças imposta pela tecnologia, superar esses obstáculos não é algo simples”, arremata Magno.

Escrito por Santelmo Camilo. Fonte: Matéria revista M&T

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